Molinésia Amazona está se reproduzindo assexuadamente em contradição a qualquer teoria da evolução.

A Molinésia Amazona é assim chamada por causa da nação de mulheres guerreiras da mitologia grega. É uma espécie de peixe que se reproduz sem a necessidade do DNA masculino, suas crias são clones de si mesmas! Está havendo uma confusão em notícias traduzidas para o português que chamam o peixe de “Molinésia da Amazônia”, mas o peixe não é nativo da amazônia e sequer é encontrado lá pois trata-se de uma espécie extraordinária nativa da fronteira entre Estados Unidos e México. Confira agora como o pesquisador Manfred Schartl e sua equipe descobriram os segredos para a sobrevivência de um peixe tão incomum.

Espécies que se reproduzem assexuadamente são raras entre vertebrados, fazendo com que a Molinésia Amazona (Poecilia formosa) seja uma grande exceção. A pequena espécie de peixe, que é nativa de uma região de fronteira entre estado do Texas nos Estados Unidos e o México, não produz nenhum macho em sua prole. As fêmeas se reproduzem assexuadamente através de ginogênese, fazendo com que as filhas sejam clones idênticos das mães, este é um método similar realizado pelo Lagostim mármore (Procambarus virginalis).

Este tipo de reprodução também significa que elas precisam de esperma para iniciar o processo de clonagem, então a Molinésia Amazona acasala com a Molinésia Preta para obter seu esperma. Os espermatozóides chegam a penetrar o óvulo, entretanto, o DNA do macho não é incorporado no ovo. Em vez disso, o ovo destrói completamente os genes masculinos.

Molinésia Amazona (Poecilia formosa)

Molinésia Amazona (Poecilia formosa) © Manfred Schartl

De acordo com teorias estabelecidas, esta espécie não deveria mais existir. Deveria ter se extinguido durante o curso da evolução.” Explica Manfred Schartl. O bioquímico ocupa a cadeira de química fisiológica no biocentro da Universidade de Würzburg. Junto com um time internacional de pesquisadores, Schartl investigou como a Molinésia Amazona sobreviveu apesar disso. Com esse objetivo, os pesquisadores sequenciaram o genoma do peixe e compararam com o da espécie aparentada. Os resultados da pesquisa estão publicados na atual edição da revista Nature Ecology & Evolution (DOI: 10.1038/s41559-018-0473-y).

Contrariando teorias estabelecidas

Há duas razões que se provam contra a sobrevivência de uma espécie com reprodução assexuada a longo prazo:
Mudanças prejudiciais ocorrem em qualquer genoma em algum momento. Em criaturas cuja prole são clones puros, estes defeitos iriam se acumular através das gerações até que não existam mais indivíduos saudáveis“, explica Schartl. Espécies que se reproduzem sexuadamente podem eliminar esses defeitos facilmente quando o número de cromossomos é reduzido pela metade durante a formação do óvulo e espermatozoide e recombinado em seguida durante a fertilização de metade dos cromossomos maternais e parentais, respectivamente.

Esquema de reprodução de Molinésia Amazona (Poecilia formosa) origens geográficas de Poecilia formosa, Poecilia mexicana e Poecilia latipinna.

Esquema de reprodução de Molinésia Amazona (P. formosa) origens geográficas de Poecilia formosa, Poecilia mexicana e Poecilia latipinna.

Há outro argumento contra a sobrevivência prolongada de uma espécie cuja prole são clones das mães: “Essas espécies normalmente não são capazes de se adaptar a mudanças ambientais tão rápido quanto seus semelhantes com reprodução sexuada“, diz Schartl. “Então em algumas gerações, elas deveriam estar perdendo no âmbito da “sobrevivência do mais apto“.

Variabilidade genética única

Para responder à pergunta de porque essa teoria não se aplica à Molinésia Amazona, os cientistas estudaram seu genoma assim como o de duas espécies relacionadas que se reproduzem sexualmente. A principal descoberta: “Nós encontramos pouca evidência de deterioração genética na Molinésia Amazona, mas sim uma variabilidade genética única e claros sinais de um processo evolutivo contínuo“, diz Manfred Schartl, e ele continua a explicar que, sobretudo, os genes relevantes para o sistema imune exibem um alto nível de variabilidade genética no genoma da P. formosa. A partir disso os autores do estudo concluíram que essa variabilidade combinada com uma ampla resposta da imunidade contribui essencialmente ao fato de que a Molinésia Amazona não compartilha a mesma fatalidade de muitas outras espécies que se reproduzem assexuadamente, isto é, serem vítimas de patógenos.

Demais resultados do estudo

Comparando o genoma das espécies relacionadas P. formosa, Poecilia latipinna e Poecilia mexicana mostra que as diferenças são mínimas. Todas as três contém 25.220 genes codificados por proteínas.
Surpreendentemente, o genoma da P. formosa também contém genes que uma fêmea de peixe não precisa, por exemplo, genes de espermatogênese, de desenvolvimento de machos ou da meiose de espermatozoides e óvulos.

A ausência de grandes danos genéticos não pode ser explicada pelo fato de que a P. formosa se desenvolveu apenas algumas gerações atrás. Uma observação do genoma mostra que a espécie provavelmente evoluiu há 100.000 anos. Com uma nova geração a cada três ou quatro meses, isso soma a aproximadamente 500.000 gerações desde que a P. formosa passou a existir, o que é muito mais do que teorias padrão previram de tempo até a extinção. Além disso, isso são muito mais gerações do que o Homo sapiens pode ter de retrospectiva.

Origem evolutiva de Poecilia formosa

Origem evolutiva de Poecilia formosa

A P. formosa provavelmente também participa de processos evolucionários , entretanto, dentro das fronteiras de um processo de seleção de mutações naturais e clones competidores. Nesse respeito, a reprodução assexuada até se prova benéfica para a Molinésia Amazona: Sem o custo envolvido de se manter dois sexos, a população de peixes pode crescer mais rapidamente e atingir um tamanho significante.

Todos os vertebrados conhecidos que se reproduzem assexuadamente são híbridos, dois espécimes de Poecilia latipinna e Poecilia mexicana são os “pais” da Molinésia Amazona. Assim sendo, os cientistas presumem que um genoma híbrido é a força que mantém essa espécie em forma. Entretanto, isso exige que os genes híbridos sejam compatíveis – o que raramente é o caso.

Os pesquisadores propões uma nova teoria chamada “hipótese da formação rara” para substituir as teorias antigas e explicar as chances de sobrevivência de uma espécie que se reproduz assexuadamente. De acordo com essa teoria as espécies assexuadas não são raras porque são inferiores, mas porque as condições para um genoma híbrido, que é crucial para sobreviver e se reproduzir, são muito específicas.

Fonte: originalmente publicado no Science Daily com o título “No sex for all-female fish species” [link], traduzido e complementado por nossa equipe!

Indicação do fiel leitor Leonardo Carvalho