Peixes são animais aquáticos e precisam respirar (absorver oxigênio e eliminar gás carbônico).

Peixes são animais aquáticos (pelo menos o que a maioria das pessoas conhece como peixe, esse assunto é tema para um outro post) e eles precisam respirar (absorver oxigênio e eliminar gás carbônico). Uma grande parte dos peixes respiram através de brânquias: estruturas muito eficientes para fazer as trocas desses gases que se encontram diluídos na água.

Esquema mostrando as brânquias de um tetra negro (Gymnocorymbus ternetzi) e a direção da água

Os ambientes aquáticos onde os peixes vivem podem variar muito, desde enormes massas de água salgadas, como os mares e oceanos, até águas continentais nas mais variadas formas e volumes (lagos, poças, riachos, rios com águas calmas, rios com águas correntes, cachoeiras, etc). Além disso, as condições também variam muito de acordo com a região geográfica, desde águas abaixo de zero (e os peixes que vivem nessas condições possuem proteínas no sangue que impedem o congelamento!) até águas bastante quentes nas zonas tropicais de todos os continentes (e alguns desses ambientes secam completamente em algumas épocas do ano!).

A relação entre temperatura e a oxigenação da água

Nas regiões tropicais, onde as águas podem ficar muito quentes, é comum que os hábitats aquáticos fiquem com pouco oxigênio dissolvido (quanto maior a temperatura da água, menor é a solubilidade do oxigênio), muitas vezes até mesmo anóxico (sem oxigênio nenhum na água). Condições assim são naturais e os peixes que vivem em ambientes de água doce nas regiões tropicais foram selecionados durante a evolução por milhões de anos para viver nesses ambientes. Uma solução que surgiu diversas vezes independentemente é o surgimento de estruturas que auxiliam a captura do oxigênio do ar: a famosa respiração aérea.

Tipos de respiração aérea

Existem dois tipos de respiração aérea: 

Respiração aérea facultativa

Respiração aérea facultativa é aquela na qual o peixe possui brânquias funcionais e retira o oxigênio preferencialmente da água, mas pode complementar a respiração com ar quando a concentração de oxigênio dissolvido fica baixa (hipóxia).

Respiração aérea obrigatória

Respiração aérea obrigatória é aquela na qual o peixe depende exclusivamente do oxigênio atmosférico para a respiração, independente da concentração de oxigênio na água.

Principais modificações para respiração aérea em peixes

Abaixo veremos alguns exemplos de tipos de respiração aérea e os órgãos envolvidos nos diferentes grupos de peixes. Interessante notar que muitas dessas adaptações são a vascularização dos epitélios do trato digestivo em diferentes regiões (a depender do grupo de peixe), o que possibilita ao peixe engolir ar e manter naquela região para a troca dos gases pelos vasos sanguíneos. Outra adaptação é o enrijecimento das brânquias (nos Bettas e bagres-africanos, por exemplo) para que elas não colapsem no ambiente aéreo e continuem com a superfície de troca de gases exposta e funcional.

Faringe e estômago vascularizados

Essa adaptação é presente em algumas espécies de Loricariidae (cascudos), os habilitando a possuir uma respiração aérea facultativa. Um gênero muito famoso que possui essa característica é o dos cascudo-abacaxi (gênero Pterygoplichthys).

Espécies de cascudo-abacaxi (gênero Pterygoplichthys) podem respirar ar atmosférico fazendo as trocas gasosas no esôfago, que é muito vascularizado.

Essa característica é um dos motivos pelo grande potencial invasor destas espécies em ambientes aquáticos no mundo todo, pois elas são muito resistentes e podem sobreviver em ambientes com características extremas pois possuem respiração aérea facultativa. Por isso também é uma das espécies mais difundidas no aquarismo, pois é um cascudo que sobrevive em quase todas as condições de qualidade de água.

Intestino vascularizado

ssa adaptação também é relacionada à vascularização do trato digestório, dessa vez no intestino. Essa característica surgiu independentemente nas famílias das Corydoras e Tamoatás (Callichthyidae) e em algumas espécies da família Cobitidae (os dojôs).

Corydoras benattii (acima) e Callichthys callichthys (abaixo).

Trata-se também de uma respiração aérea facultativa e quem possui essas espécies em aquários pode observar o comportamento das Corydoras irem rapidamente até a superfície para pegar o ar e voltarem para o fundo. O ar segue pelo trato digestivo delas e vai até a região do intestino, onde ocorre as trocas gasosas. Essa característica é a responsável pela presença dos tamoatás em rios bastante poluídos com níveis de oxigênio bastante baixos (como o famoso rio Tietê, na cidade de São Paulo).

Porções das brânquias enrijecidas

Uma brânquia é um órgão muito eficiente para troca gasosa dentro dágua, pois possui uma enorme área vascularizada para troca gasosa. Os filamentos branquiais e as lamelas são estruturas muito moles e delicadas e, quando imersas na água, ficam abertas deixando a água passar por entre elas, permitindo uma troca eficiente de oxigênio e gás carbônico. Ao retirar o peixe da água, essas estruturas moles se grudam uma na outra, impossibilitando a troca gasosa e o peixe morre asfixiado. Mas e se parte dessa brânquia fosse enrijecida e permitisse que os espaços de troca continuassem separados mesmo no ar? Essa é a adaptação presente no bagre-africano, um respirador aéreo facultativo.

Imagem retirada de: Abd-Elmaksoud et al. 2008: Anatomical, Light and Scanning Electron Microscopic Studies on the Air Breathing Dendretic Organ of the Sharp Tooth Catfish (Clarias gariepinus)

Mais uma vez, essa característica é a responsável pelo enorme potencial invasor desta espécie em ambientes de água doce do  mundo todo (além, claro, de sua condição de voraz predador).

Outro grupo MUITO FAMOSO entre os aquaristas do mundo todo são os peixes Anabantóideos (Bettas, Colisas, Trichogaster, Trichopodus, os “Guramis” em geral) que possuem uma adaptação parecida à dos bagres-africanos (mas surgida independentemente). Algumas espécies desse grupo são respiradoras aéreas obrigatórias (como os Betta) e outras são facultativas. Os Anabantóideos possuem uma região esclerotizada das brânquias chamada labirinto, que é a responsável pelas trocas gasosas, mais ou menos como acontece nos Clarias (mas as estruturas envolvidas são diferentes).

Desenho esquemático mostrando a cabeça de um Anabantoideo e a estrutura do labirinto na porção superior da cavidade branquial.

Cavidade bucal vascularizada

Os poraquês são respiradores aéreos obrigatórios e, ao contrário do que muitos pensam, não possuem pulmões. A adaptação são os epitélios da cavidade bucal ricamente vascularizados e com uma grande superfície de contato para trocas gasosas, tanto no teto da boca quanto no assoalho (parte de cima e parte de baixo).

Vista frontal da boca de um poraquê.
Cavidade bucal de poraquê aberta, mostrando o epitélio vascularizado do teto e assoalho.
Brânquia vestigial do poraquê.

O poraquê sobe de tempos em tempos para a superfície e captura o ar que ele mantém na boca enquanto faz a troca gasosa. O intervalo entre as respirações varia de acordo com o estado de atividade do indivíduo e quanto mais agitado estiver, mais frequente será as “boiadas”.

Poraquê (Electrophorus voltai) subindo à superfície para respirar.

Bexiga natatória vascularizada

Outra forma muito eficiente de respirar oxigênio atmosférico é engolir o ar e direcioná-lo para sua bexiga natatória altamente vascularizada, como é o caso dos pirarucus. Eles são respiradores aéreos obrigatórios e também precisam subir à superfície de tempos em tempos para pegar o ar.

Bexiga natatória de pirarucu (Arapaima gigas) altamente vascularizada.

Os ribeirinhos da Amazônia especializados na pesca de pirarucu conseguem estimar com precisão quantos animais existem em uma determinada área pelo número de “buiadas” que observam no local. Inclusive, estudos científicos foram feitos para testar essa metodologia e os cientistas descobriram que o método dos pescadores ribeirinhos acertou a quantidade exata de pirarucus em todas as vezes. Hoje existe um manejo sustentável da captura de pirarucu em várias reservas na Amazônia (https://www.mamiraua.org.br/noticias/manejo-pirarucu-teve-aumento-na-producao-pescado).

Pulmão verdadeiro

Um pulmão é um saco de ar vascularizado conectado ao esôfago que recebe ar para realizar as trocas gasosas. Muito parecido com a bexiga natatória vascularizada do pirarucu que mencionamos antes, né? Pois é, a bexiga natatória e o pulmão são estruturas homólogas, ou seja, foram herdadas de um ancestral comum dos peixes ósseos (os Osteichthyes) que depois se diferenciou em pulmão em um grupo (Sarcopterygii, ou peixes de nadadeira lobada) e em bexiga natatória em outro (Actinopterygii, ou peixes de nadadeiras raiadas). Apesar da maioria dos cientistas evolutivos concordar que a bexiga natatória é um pulmão modificado (e isso é uma ótima história para um outro texto), ainda existem alguns pontos confusos, como os pulmões dos Polypterus. Este grupo fantástico de peixes africanos faz parte dos peixes actinopterígeos, mas possuem pulmão (como os sarcopterígeos) e tem sido objeto de estudos bem legais sobre evolução, inclusive de um cientista brasileiro, Prof. Dr. Pedro Rizzato.

Os sarcopterígeos são caracterizados, entre outras coisas, por possuir pulmão (um saco de ar vascularizado para realizar as trocas gasosas) e são representados pelas pirambóias, pelos celacantos (esses perderam o pulmão) e pelos tetrápodes. Isso mesmo, os tetrápodes (anfíbios, aves, crocodilos, lagartos, mamíferos, tartarugas) são peixes ósseos com pulmões e nadadeiras lobadas!

Lepidosiren paradoxa (piramboia sulamericana) respirando ar na superfície dágua.