Rompimento da barragem em Mariana

No final do ano passado, precisamente no dia 5 de novembro, houve um dos maiores desastres ambientais do Brasil, se não for o maior que se tem notícia: O rompimento da barragem em Mariana de rejeitos de mineração. Estima-se que foram ao menos 40 bilhões de litros de lama que foram despejados no Rio Doce e estão sendo liberados na foz desse rio aqui no Espírito Santo. Não há registro no mundo inteiro de um fato semelhante e as consequências são imprevisíveis. [no_toc]

O desastre do rompimento da barragem em Mariana sob a ótica aquarista

(créditos: Sandro Broillo)

O rejeito da barragem em Mariana que se rompeu é composto de Ferro, Alumínio e silicatos em sua grande parte, assim como aminas que são usados no processo de beneficiamento do minério. Cobre, Cobalto, Manganês, nitratos e vários outros elementos e compostos também são encontrados no rejeito.

Diversos laudos de análises da lama estão saindo devido ao impacto causado pelo desastre, todos eles são unânimes quando se falam que muitos compostos, principalmente o ferro, estão em quantidade acima das permitidas. O que falta nessas análises e reportagens é o que vai acontecer com o rio e o mar ao longo do tempo e é uma ideia sobre isso que pretendo apresentar.

Cabe salientar que o Rio Doce já enfrentava grandes problemas de poluição, assoreamento e desmatamento muito antes do rompimento das barragens. Os pescadores já reclamavam da falta de peixes. Foi a morte de um rio já moribundo.

Efeitos no Rio Doce:

O Rio Doce foi literalmente varrido pela lama, não há como limpar, não há como dragar o que foi jogado. Não há muito o que se fazer. Diversos professores e especialistas da área dizem que a lama irá pavimentar o leito do rio. Esse será o dano físico ao meio e vai mudar completamente a dinâmica do ecossistema. A areia que diversos organismos usavam como abrigo (bactérias, vermes, crustáceos, etc) ficou coberta pela lama, logo os organismos que não puderem se adaptar morrerão ou terão são população reduzida.

Efeitos da tragedia do Rio Doce no mar

(Créditos: Ricardo Moraes)

Os metais contidos na água, muitos em porcentagens mínimas, não afetam gravemente os vertebrados, porém afetam profundamente os invertebrados. Quem teve problema com aquário sabe que os camarões são os primeiros a morrer quando tem um problema de qualidade da água. As aminas são compostos químicos baseados em amônia e já sabemos o resultado que a amônia tem para os peixes e outros seres aquáticos. Esse é o dano químico ao rio, a completa alteração dos compostos dissolvidos, suspensos e precipitados na água.

Peixes mortos no Rompimento da barragem em Mariana

(Créditos: Associação dos Pescadores e Amigos do rio Doce)

As alterações físicas e químicas vão alterar profundamente todas as interações biológicas do sistema. O que acontece num aquário quando temos uma concentração muito alta de ferro e amônia? Algas e colônias de bactérias. As algas e bactérias irão aparecer em algum momento para consumir esses compostos da água e não será numa quantidade pequena. O rio sofreu um grande processo de eutrofização. As algas e bactérias tendem a consumir o oxigênio da água o que mata todos os organismos vivos aeróbicos.

Alterações no mar:

Boa parte da lama que percorreu o Rio Doce irá acabar no mar, seu destino final. A lama já se espalhou por dezenas de quilômetros pelo mar e em algum momento vai precipitar no fundo cobrindo uma extensa área com uma das melhores rochas vivas (algas calcárias) para aquário do mundo inteiro. A lama dificulta a penetração da luz e prejudica todos os animais fotossintéticos como corais, zoanthus e algas. Animais imóveis como esponjas ficarão cobertos pela lama o que provavelmente irá causar a sua morte.

mar de lama do rio doce invade o mar

(Créditos: Ricardo Moraes)

Com a oferta maior de nutrientes orgânicos e minerais há o crescimento de algas e bactérias de diversos tipos. As bactérias quimiossintetizantes de ferro, as bactérias nitrificantes e outras bactérias irão povoar cada espaço que puderem, assim como as algas. Como a lama irá prejudicar a visibilidade e os capacidade de vida do ambiente, provavelmente não haverá animais herbívoros ou que se alimentem de bactérias (como as polyplacophoras), assim esses organismos poderão se proliferar sem controle.

Todo aquarista que possui um aquário sabe como é horrível a visão de um aquário coberto de algas e bactérias, agora imagina num “aquário” com bilhões de litros de água?

Esta é apenas a macro visão do problema. É aquilo que todo mundo já sabe ou já falou. Porém, o problema maior, que ninguém teve a coragem de falar, é que os metais e compostos contidos na lama, podem não estar em níveis perigosos para os peixes e outros vertebrados, ou para os seres humanos. Mas, pequenas variações desses metais e compostos são letais para os corais e invertebrados marinhos.

Esses metais vão se acumular nas rochas e substrato e, ao longo de muitos anos irão contaminar as algas calcárias, e até a própria água. Os aquaristas do ES, e muitos do RJ, MG e outros Estados, que sistematicamente ou ocasionalmente colocam em seus aquários água e outras coisas provenientes do ES, terão sérios problemas com os níveis de metais, Amônia e outros Nitrogenados e, principalmente, com os terríveis Silicatos, que tantos danos causam em nossos reefs.

Como se não pudesse piorar, ainda há a possibilidade de um problema ainda maior. Se por acaso ocorrer essa situação que demonstrei, o que é bastante provável, de uma eutrofização completa do Rio Doce e da área do mar afetada, quando acabar o excesso de compostos na água provenientes do rejeito da barragem em Mariana as algas e bactérias irão morrer numa velocidade tão alta quanto apareceram. A morte das algas e bactérias irá liberar na água uma grande quantidade de compostos químicos tóxicos, principalmente fenóis, que irão se espalhar por uma área maior do que a lama.  Algas, geralmente, são muito mais perigosas para o ambiente quando morrem, do que quando estão vivas.

Nesse texto busquei especular sobre a situação decorrente do rompimento da barragem em Mariana  e seus possíveis efeitos à fauna aquática do Rio Doce e da área atingida do mar.