Wander Nascimento, que atua como lojista há 20 anos, analisa os efeitos das mudanças no hobby.

Com a crise geral no Brasil nos últimos dois anos, não temos percebido que, independente dela, nosso hobby está morrendo. É consequência de um conjunto de posicionamentos e atitudes no nosso mercado em particular, e o que está acontecendo já aconteceu em outros mercados.

Infelizmente sei que, pelo hábito comum, nem meia dúzia lerão este artigo até o fim. Sei também que quem está em um mercado mais restrito, sentir-se-á protegido do que aqui relato, mas, é apenas uma questão de tempo.

Tenho a loja desde 1997. Quando abri, existia uma ou duas lojas especializadas em aquarismo em Curitiba. Em menos de um ano éramos 5. Comecei com R$10.000,00 em estoque e em menos de um ano estava ultrapassando R$100.000,00. Cheguei a manter estoque muitas vezes maior que esta cifra, pois, entre 1999 e 2002 a clientela quadruplicou e não só para mim, mas para todas as lojas.

Wander Nascimento

Tenho pensado muito sobre isto e feito muitos estudos de mercado, brasileiro e de outros países. Tenho pesquisado e estudado muito sobre as tendências do mercado de forma geral e especificamente sobre o mercado de aquarismo. Cheguei a conclusão que nosso hobby voltará a ser elitizado, para poucos com muito dinheiro de um lado, e pulverizado com baixíssima qualidade e sem conceitos que perdurem a manutenção do aquário por outro.

Voltando a 1997, havia uma concorrência acirrada pela clientela no hobby no mercado curitibano. Cada um brigou pelo seu espaço pregando seus ideais, sua linha de trabalho e correndo atrás de informação e cursos para construir uma clientela sólida, que ficasse no hobby por muito tempo, com ansiedade de crescer e montar mais aquários para que nós também crescêssemos como empreendedores. Um exemplo registrado disso foi o movimento aquarista nas primeiras PetFair, que era pequeno em relação às outras áreas PET, mas, muito superior ao que se tem hoje.

Loja Aquarium Flora e Fauna em Curitiba – 2003

À medida que a clientela ia crescendo de forma consistente, ia trazendo mais adeptos e apaixonados para o hobby. Todos ganharam: lojistas (vendas, receita, patrimônio, reconhecimento profissional, clientela, parceiros, etc.), atacadistas (receita, receita, receita, pois, é o que interessa), hobbystas (variedade de peixes, equipamentos e produtos de alta qualidade no mercado, condições de manter um aquário estável e longevo, etc.) e os peixes, que puderam ser mantidos com muito mais segurança e saúde em nossas casas. Sem falar nos criadores, transportadoras, fabricantes, artesãos, etc. Mas aí veio a primeira onda de problemas. Abriu uma ou outra loja com a seguinte meta: “Vou abrir uma mega loja, com preços menores, vou quebrar o mercado, fechar as outras lojas!“. Muitos ouviram estas bravatas, não é segredo para ninguém. Fecha um, abre outro, abre mais outro, abre mais outro, fecha outro e assim foi. O mercado cresceu um pouco, mas, principalmente dividiu a clientela, pois agora o foco era o barato e não mais crescer o hobby de forma consistente.

Então veio a internet. Com ela muita informação bacana, com ela os “experts” e “doutores” em aquarismo que não tem nada a não ser um amontoado de informações. Com ela começou o comércio eletrônico. Os próprios atacadistas começaram a colocar seus produtos nos portais da americanas.com e na amazon.com. As lojas começaram a perder sua fonte de renda por outro caminho. Agora é mais barato comprar na internet. As lojas começam a “arfar por falta de ar” financeiro.

A próxima atitude destruidora do mercado foi a venda de animais pela internet. O próprio atacadista ou um “laranja” (sim, porque pega o animal ou a mercadoria do estoque do atacadista e envia até de forma ilegal, no caso dos seres vivos, direto ao consumidor). Sem a venda do que não é perecível (seres vivos não conseguem nem se pagar de verdade em uma loja; quem diz que dá não conseguiu computar todos os gastos diretos e indiretos ainda.)

Outra atitude que desde sempre, mas, cada vez mais, é a prática de dar um super desconto (por amizade, afinidade, negociação no volume de compras) a um lojista específico, causando a ideia nos consumidores que os outros estão muito caros, pois o privilegiado repassa o desconto no balcão para quebrar a concorrência.

Por fim o mercado, totalmente prostituído, está sendo definitivamente destruído pelas PETCenters, exatamente como aconteceu nos Estados Unidos (diga-se de passagem que sempre o mercado brasileiro tende a seguir o que acontece lá, no que tange a problemas e mazelas). O atacadista e o importador vê a possibilidade de fechar uma grande venda para uma rede e faz tudo o que for possível, que não fizeram pelos lojistas de outlets, para fechar uma grande venda. Estão chegando ao absurdo, como também aconteceu nos EUA, de vender para redes de supermercados.

(Créditos Keitha/keithaschaos)

Em uma visão muito curta, 2 ou 3 anos, será um lucro sem muito trabalho, na quantidade. Olhando a longo prazo, veremos que foi um tiro no pé. Em breve, poucos anos, a maioria das lojas especializadas em aquarismo fecharão, e isto não terá nada a ver com a crise mundial ou brasileira, mas, sim com a postura de mercado. O lojista que é um apaixonado e mostra esta paixão ao abordar seu cliente, terá que procurar outra atividade, pois, é impossível manter uma loja aberta sem lucrar com a mercadoria, com as rações e com os produtos, pois, são muito mais baratos na internet e nas PetCenters e de fácil acesso nos mercados (“Para que ir em uma loja especializada se aproveito minha compra do mês para comprar a ração e os produtos básicos do meu aquário?“). O mercado vai ficar nas mãos dos “especialistas” da internet que não sabem de nada, e de técnicos de empresa, que não tem paixão pelo hobby, mas, apenas pelo seu ganho financeiro no final do mês. Este é o momento que os importadores e atacadistas vão sentir o tiro no pé!

Formador de opinião no aquarismo?

O mercado vai diminuir drasticamente com tanta experiência frustrada no hobby, pois, não haverá mais alguém apaixonado para lhe ajudar, dar suporte, esclarecer, dividir sua história. Existirá, como já acontece em outros países, apenas uma ou outra loja muito especializada, voltada a designer e projetos para uma clientela elitizada. Vai, cada vez mais, ser difundido o hobby do “baratinho”, do DIY, do “Morreu? Morreu. Compra outro!“.

Não só os lojistas terão que mudar de atividade, não se iludam. A quase totalidade dos vendedores também, pois, para quê tantos vendedores para vender para 10 ou 12 redes de petcenters e para 20 ou 30 redes de mercado? Os criadores também sentirão o impacto mais cedo…

Tem um caminho para salvarmos nosso mercado?

Sim tem, mas, na minha incredulidade na população brasileira, pois é extremamente passiva e individualista, e na visão imediatista do nosso mercado, não acredito que algo venha a mudar.

Para mudar precisa existir uma política de venda no atacado na qual seja resguardada uma margem de lucro digna e mínima, um preço mínimo de mercado para todo produto

  • Precisa vender apenas para lojas reais, outlets, com especialista com formação, hobbysta de verdade, com amor ao hobby
  • Precisa que os grandes importadores e atacadistas invistam em campanhas de marketing para o hobby
  • Precisa instruir e valorizar o lojista hobbysta, especialista e sua equipe

Como, de todos que mandei este manifesto, não acredito que nem “meia dúzia” tenha lido até este ponto, como conseguiremos (cada um “olhando para seu umbigo“) mudar um mercado?

Sobre o autor: Wander Gomes do Nascimento Junior é aquarista há décadas e proprietário da loja Aquarium Flora e Fauna em Curitiba

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